quinta-feira, 23 de abril de 2020

Adão e Eva - Machado de Assis

Uma senhora de engenho, na Bahia, pelos anos de mil setecentos e tantos, tendo
algumas pessoas íntimas à mesa, anunciou a um dos convivas, grande lambareiro,
um certo doce particular. Ele quis logo saber o que era; a dona da casa chamoulhe curioso. Não foi preciso mais; daí a pouco estavam todos discutindo a
curiosidade, se era masculina ou feminina, e se a responsabilidade da perda do
paraíso devia caber a Eva ou a Adão. As senhoras diziam que a Adão, os homens
que a Eva, menos o juiz-de-fora, que não dizia nada, e Frei Bento, carmelita, que
interrogado pela dona da casa, D. Leonor:
— Eu, senhora minha, toco viola, respondeu sorrindo; e não mentia, porque era
insigne na viola e na harpa, não menos que na teologia.
Consultado, o juiz-de-fora respondeu que não havia matéria para opinião; porque
as coisas no paraíso terrestre passaram-se de modo diferente do que está contado
no primeiro livro do Pentateuco, que é apócrifo. Espanto geral, riso do carmelita
que conhecia o juiz-de-fora como um dos mais piedosos sujeitos da cidade, e
sabia que era também jovial e inventivo, e até amigo da pulha, uma vez que fosse
curial e delicada; nas coisas graves, era gravíssimo.
— Frei Bento, disse-lhe D. Leonor, faça calar o Sr. Veloso.
— Não o faço calar, acudiu o frade, porque sei que de sua boca há de sair tudo
com boa significação.
— Mas a Escritura... ia dizendo o mestre-de-campo João Barbosa.
— Deixemos em paz a Escritura, interrompeu o carmelita. Naturalmente, o Sr.
Veloso conhece outros livros...
— Conheço o autêntico, insistiu o juiz-de-fora, recebendo o prato de doce que D.
Leonor lhe oferecia, e estou pronto a dizer o que sei, se não mandam o contrário.
— Vá lá, diga.
— Aqui está como as coisas se passaram. Em primeiro lugar, não foi Deus que
criou o mundo, foi o Diabo...
— Cruz! exclamaram as senhoras.
— Não diga esse nome, pediu D. Leonor.
— Sim, parece que... ia intervindo frei Bento.
— Seja o Tinhoso. Foi o Tinhoso que criou o mundo; mas Deus, que lhe leu no
pensamento, deixou-lhe as mãos livres, cuidando somente de corrigir ou atenuar a
obra, a fim de que ao próprio mal não ficasse a desesperança da salvação ou do
benefício. E a ação divina mostrou-se logo porque, tendo o Tinhoso criado as
trevas, Deus criou a luz, e assim se fez o primeiro dia. No segundo dia, em que
foram criadas as águas, nasceram as tempestades e os furacões; mas as brisas da
tarde baixaram do pensamento divino. No terceiro dia foi feita a terra, e brotaram
dela os vegetais, mas só os vegetais sem fruto nem flor, os espinhosos, as ervas
que matam como a cicuta; Deus, porém, criou as árvores frutíferas e os vegetais
que nutrem ou encantam. E tendo o Tinhoso cavado abismos e cavernas na terra,
Deus fez o sol, a lua e as estrelas; tal foi a obra do quarto dia. No quinto foram
criados os animais da terra, da água e do ar. Chegamos ao sexto dia, e aqui peço
que redobrem de atenção.
Não era preciso pedi-lo; toda a mesa olhava para ele, curiosa.
Veloso continuou dizendo que no sexto dia foi criado o homem, e logo depois a
mulher; ambos belos, mas sem alma, que o Tinhoso não podia dar, e só com ruins
instintos. Deus infundiu-lhes a alma, com um sopro, e com outro os sentimentos
nobres, puros e grandes. Nem parou nisso a misericórdia divina; fez brotar um
jardim de delícias, e para ali os conduziu, investindo-os na posse de tudo. Um e
outro caíram aos pés do Senhor, derramando lágrimas de gratidão. "Vivereis
aqui", disse-lhes o Senhor, "e comereis de todos os frutos, menos o desta árvore,
que é a da ciência do Bem e do Mal”.
Adão e Eva ouviram submissos; e ficando sós, olharam um para o outro,
admirados; não pareciam os mesmos. Eva, antes que Deus lhe infundisse os bons
sentimentos, cogitava de armar um laço a Adão, e Adão tinha ímpetos de
espancá-la. Agora, porém, embebiam-se na contemplação um do outro, ou na
vista da natureza, que era esplêndida. Nunca até então viram ares tão puros, nem
águas tão frescas, nem flores tão lindas e cheirosas, nem o sol tinha para
nenhuma outra parte as mesmas torrentes de claridade. E dando as mãos
percorreram tudo, a rir muito, nos primeiros dias, porque até então não sabiam
rir. Não tinham a sensação do tempo. Não sentiam o peso da ociosidade; viviam
da contemplação. De tarde iam ver morrer o sol e nascer a lua, e contar as
estrelas, e raramente chegavam a mil, dava-lhes o sono e dormiam como dois
anjos.
Naturalmente, o Tinhoso ficou danado quando soube do caso. Não podia ir ao
paraíso, onde tudo lhe era avesso, nem chegaria a lutar com o Senhor; mas
ouvindo um rumor no chão entre folhas secas, olhou e viu que era a serpente.
Chamou-a alvoroçado.
— Vem cá, serpe, fel rasteiro, peçonha das peçonhas, queres tu ser a embaixatriz
de teu pai, para reaver as obras de teu pai?
A serpente fez com a cauda um gesto vago, que parecia afirmativo; mas o Tinhoso
deu-lhe a fala, e ela respondeu que sim, que iria onde ele a mandasse, — às
estrelas, se lhe desse as asas da águia — ao mar, se lhe confiasse o segredo de
respirar na água — ao fundo da terra, se lhe ensinasse o talento da formiga. E
falava a maligna, falava à toa, sem parar, contente e pródiga da língua; mas o
diabo interrompeu-a:
— Nada disso, nem ao ar, nem ao mar, nem à terra, mas tão-somente ao jardim
de delícias, onde estão vivendo Adão e Eva.
— Adão e Eva?
— Sim, Adão e Eva.
— Duas belas criaturas que vimos andar há tempos, altas e direitas como
palmeiras?
— Justamente.
— Oh! detesto-os. Adão e Eva? Não, não, manda-me a outro lugar. Detesto-os! Só
a vista deles faz-me padecer muito. Não hás de querer que lhes faça mal...
— É justamente para isso.
— Deveras? Então vou; farei tudo o que quiseres, meu senhor e pai. Anda, dize
depressa o que queres que faça. Que morda o calcanhar de Eva? Morderei...
— Não, interrompeu o Tinhoso. Quero justamente o contrário. Há no jardim uma
árvore, que é a da ciência do Bem e do Mal; eles não devem tocar nela, nem
comer-lhe os frutos. Vai, entra, enrosca-te na árvore, e quando um deles ali
passar, chama-o de mansinho, tira uma fruta e oferece-lhe, dizendo que é a mais
saborosa fruta do mundo; se te responder que não, tu insistirás, dizendo que é
bastante comê-la para conhecer o próprio segredo da vida. Vai, vai...
— Vou; mas não falarei a Adão, falarei a Eva. Vou, vou. Que é o próprio segredo
da vida, não?
— Sim, o próprio segredo da vida. Vai, serpe das minhas entranhas, flor do mal, e
se te saíres bem, juro que terás a melhor parte na criação, que é a parte humana,
porque terás muito calcanhar de Eva que morder, muito sangue de Adão em que
deitar o vírus do mal... Vai, vai, não te esqueças...
Esquecer? Já levava tudo de cor. Foi, penetrou no paraíso, rastejou até a árvore
do Bem e do Mal, enroscou-se e esperou. Eva apareceu daí a pouco, caminhando
sozinha, esbelta, com a segurança de uma rainha que sabe que ninguém lhe
arrancará a coroa. A serpente, mordida de inveja, ia chamar a peçonha à língua,
mas advertiu que estava ali às ordens do Tinhoso, e, com a voz de mel, chamoua. Eva estremeceu.
— Quem me chama?
— Sou eu, estou comendo desta fruta...
— Desgraçada, é a árvore do Bem e do Mal!
— Justamente. Conheço agora tudo, a origem das coisas e o enigma da vida.
Anda, come e terás um grande poder na terra.
— Não, pérfida!
— Néscia! Para que recusas o resplendor dos tempos? Escuta-me, faze o que te
digo, e serás legião, fundarás cidades, e chamar-te-ás Cleópatra, Dido,
Semíramis; darás heróis do teu ventre, e serás Cornélia; ouvirás a voz do céu, e
serás Débora; cantarás e serás Safo. E um dia, se Deus quiser descer à terra,
escolherá as tuas entranhas, e chamar-te-ás Maria de Nazaré. Que mais queres
tu? Realeza, poesia, divindade, tudo trocas por uma estulta obediência. Nem será
só isso. Toda a natureza te fará bela e mais bela. Cores das folhas verdes, cores
do céu azul, vivas ou pálidas, cores da noite, hão de refletir nos teus olhos. A
mesma noite, de porfia com o sol, virá brincar nos teus cabelos. Os filhos do teu
seio tecerão para ti as melhores vestiduras, comporão os mais finos aromas, e as
aves te darão as suas plumas, e a terra as suas flores, tudo, tudo, tudo...
Eva escutava impassível; Adão chegou, ouviu-os e confirmou a resposta de Eva;
nada valia a perda do paraíso, nem a ciência, nem o poder, nenhuma outra ilusão
da terra. Dizendo isto, deram as mãos um ao outro, e deixaram a serpente, que
saiu pressurosa para dar conta ao Tinhoso...
Deus, que ouvira tudo, disse a Gabriel:
— Vai, arcanjo meu, desce ao paraíso terrestre, onde vivem Adão e Eva, e trazeos para a eterna bem-aventurança, que mereceram pela repulsa às instigações do
Tinhoso.
E logo o arcanjo, pondo na cabeça o elmo de diamante, que rutila como um milhar
de sóis, rasgou instantaneamente os ares, chegou a Adão e Eva, e disse-lhes:
— Salve, Adão e Eva. Vinde comigo para o paraíso, que merecestes pela repulsa
às instigações do Tinhoso.
Um e outro, atônitos e confusos, curvaram o colo em sinal de obediência; então
Gabriel deu as mãos a ambos, e os três subiram até à estância eterna, onde
miríades de anjos os esperavam, cantando:
— Entrai, entrai. A terra que deixastes, fica entregue às obras do Tinhoso, aos
animais ferozes e maléficos, às plantas daninhas e peçonhentas, ao ar impuro, à
vida dos pântanos. Reinará nela a serpente que rasteja, babuja e morde,
nenhuma criatura igual a vós porá entre tanta abominação a nota da esperança e
da piedade.
E foi assim que Adão e Eva entraram no céu, ao som de todas as cítaras, que
uniam as suas notas em um hino aos dois egressos da criação...
... Tendo acabado de falar, o juiz-de-fora estendeu o prato a D. Leonor para que
lhe desse mais doce, enquanto os outros convivas olhavam uns para os outros,
embasbacados; em vez de explicação, ouviam uma narração enigmática, ou, pelo
menos, sem sentido aparente. D. Leonor foi a primeira que falou:
— Bem dizia eu que o Sr. Veloso estava logrando a gente. Não foi isso que lhe
pedimos, nem nada disso aconteceu, não é, Frei Bento?
— Lá o saberá o Sr. Juiz, respondeu o carmelita sorrindo.
E o juiz-de-fora, levando à boca uma colher de doce:
— Pensando bem, creio que nada disso aconteceu; mas também, D. Leonor, se
tivesse acontecido, não estaríamos aqui saboreando este doce, que está, na
verdade, uma coisa primorosa. É ainda aquela sua antiga doceira de Itapagipe?

A Balada de Mulan - Guo Maoqian

Click, click, e click, click, click
Junto à porta, Mulan tece,
Quando, de repente, a lançadeira cessa
Ouve-se um suspiro cheio de angústia
Oh, minha filha, quem está em sua mente?
Oh, minha filha, quem está em seu coração?
Não há ninguém em minha mente
Não há ninguém em meu coração
Mas noite passada li sobre a batalha
Eram doze pergaminhos
O Khan sorteará os que irão à guerra
O nome de meu pai está em todas as contas

Ah, meu pai não tem um filho crescido
Ah, Mulan não tem um irmão mais velho
Mas comprarei uma sela e um cavalo e me unirei ao exército no lugar de meu pai
No mercado do leste ela compra um corcel
No mercado d'oeste ela compra uma sela
No mercado do norte ela compra um longo chicote
No mercado do sul ela compra uma rédea

Na alvorada ela se despede da família
No crepúsculo ela se assenta à beira do Rio Amarelo
Ela não mais ouve seus pais a chamarem
Sobre seu travesseiro, as águas sussurram
No crepúsculo ela chega à Montanha Negra
Ela não mais ouve seus pais a chamarem, mas sim os gemidos dos cavalos tártaros nas montanhas de Yen

Ela cavalga milhares de quilômetros rumo à guerra que deve honrar
Ela atravessa altas montanhas como uma águia nas alturas
Das tempestades do norte, no frio que fustiga, ecoa o sino do guarda
A luz fria e azulada do gelo ilumina sua armadura
Generais morrem em cem batalhas
Nosso guerreiro está de volta
Dez anos voaram

Em seu retorno, ela é convocada a ver o Imperador
No palácio, ela recebe a mais alta honra
Ela é promovida ao mais alto cargo
O Imperador lhe concede centenas de milhares em prêmios
O Khan lhe pergunta qual é o seu desejo
Mulan não quer um cargo de Ministro
Mulan não quer nada de extravagante
Gostaria que me emprestassem um cavalo veloz que me leve de volta para casa

Quando o pai e a mãe ouvem que ela está chegando, vão esperar abraçados no portão
Quando a irmã mais velha a ouve chegando, ela corre ao seu quarto colocar um pouco de rouge
Quando o irmão mais novo a ouve chegando, ele afia seu punhal que brilha como a luz e vai preparar porco e carneiro para o jantar

Ah, deixem-me abrir a porta para o quarto do leste
Ah, deixem-me sentar em minha cama para um descanso poente
Então logo tiro a roupa do guerreiro e silenciosamente ponho meu antigo vestido
Junto à janela penteio meus cabelos
Em frente ao espelho pinto meu rosto
E quando saio para encontrar meus companheiros eles estão perplexos e impressionados


Por doze anos lutamos como camaradas
A Mulan que conhecemos não era uma mulher graciosa
Dizem que conhecemos uma lebre segurando-a pelas orelhas
Há sinais para distinguirmos
Suspenso no ar, o macho chutará e se debaterá, enquanto que as fêmeas ficarão paradas, com os olhos a lacrimejar
Mas se ambos estão no chão a pular em liberdade singela, quem será tão sábio para dizer se a lebre é ele ou ela?

terça-feira, 3 de maio de 2016

O bom negócio - irmãos Grimm


Era uma vez um camponês que tinha levado a sua vaca para a feira, e a vendeu por sete táleres. No caminho de volta para casa ele tinha de passar por um lago, e já de longe ele ouvia os sapos gritando: “Iquá, quá, quá, quá!” — “Bem,” disse ele para si mesmo, “eles não sabem o que estão dizendo, são sete táleres que eu recebi não quatro.” Quando ele entrou na água, o camponês gritou para eles: — “Criaturas estúpidas que vocês são! Vocês não sabem de nada! São sete táleres e não quatro.”
Os sapos, no entanto, continuavam a mesma ladainha, “Iquá, quá, quá, quá!” — “O quê, vocês não acreditam, eu posso mostrar na frente de vocês,” e ele tirou o dinheiro do bolso e contou os sete táleres, levando-se em conta que vinte e quatro grosches equivalem a um táler. Os sapos, todavia, sem saber o que ele dizia, continuam dizendo “Iquá, quá, quá, quá!” — “O quê, exclamou o camponês que já estava ficando zangado, — “já que vocês acham que sabem mais do que eu, contem vocês mesmos,” e jogou todo o dinheiro na água.
Ele ficou parado e ficou esperando até que tivessem terminado de contar e lhe devolvessem o dinheiro de novo, mas os sapos ficaram imóveis e gritavam sem parar: “Iquá, quá, quá, quá!” e além disso, não jogaram o dinheiro de volta para ele. Ele ainda esperou um bom tempo até que a noite chegou e ele foi obrigado a ir para casa.
Então, ele insultou os sapos dizendo: — “Escuta aqui, seus espirradores de água, seus cabeças gordas, seus olhos esbugalhados, vocês tem bocas grandes e podem berrar até estourarem os seus ouvidos, mas vocês não sabem contar sete tálares! Vocês acham que eu vou ficar esperando aqui até quando terminarem? E com isso ele foi embora, mas os sapos continuavam gritando “Iquá, quá, quá, quá!” depois que ele se foi, até que ele chegou em casa muito furioso.

P
assado algum tempo ele comprou uma nova vaca, a qual ele matou, e fez as contas que se ele vendesse a carne por um preço bom, ele poderia ganhar o equivalente ao que duas vacas valeriam, e usaria ainda o couro dela na troca. Quando então ele chegou na cidade com a carne, uma grande matilha de cães estava reunida na frente do portão, e eram chefiados por um cachorro galgo, que pulou na carne, meteu o focinho nela e latindo: “Uau, uau, uau.”
Como ele não parava de latir, o camponês disse para ele: — “Sim, sim, eu sei muito bem o que você está dizendo “uau, uau, uau,” porque você quer um pedaço de carne, mas eu teria um prejuízo se eu desse um pedaço para você.” O cachorro, todavia, não respondia nada, somente “uau, uau, uau.” — “Você promete não devorar tudo, então, e você se responsabiliza pelos teus amigos?”
“Uau, uau, uau.”, dizia o cachorro. — “Bem, se você insiste, eu vou te dar um pedaço, eu te conheço bem, e sei que você é quem manda, mas eu lhe digo, dentro de três dias eu preciso receber o dinheiro, caso contrário, você vai se ver comigo, e você deve entregar o dinheiro lá em casa.” E assim ele descarregou a carne e virou as costas, e os cachorros pularam em cima dela e latiam alto: “uau, uau, uau.”
O camponês, ouvindo-os de longe, dizia consigo mesmo: — “Escute só, todos eles queriam um pedaço, mas o grandalhão é o principal responsável por tudo.”
Três dias haviam se passado, e o camponês pensou: — “Hoje o dinheiro estará no meu bolso,” e ficou muito satisfeito. Mas ninguém aparecia para lhe dar o dinheiro. — “Será que não dá para confiar em ninguém hoje em dia,” pensou ele, e finalmente ele perdeu a paciência, e foi até a cidade procurar o açougueiro e exigir o seu dinheiro. O açougueiro achou que era uma brincadeira, mas o camponês dizia: — “Não estou brincando, eu quero o meu dinheiro! Por acaso, o cachorro grande não trouxe para você uma vaca inteirinha que eu matei há três dias atrás?”

— “Oh,” respondeu o camponês, “não posso me casar com ela, eu já tenho uma esposa, e ela já é demais para mim, quando eu vou para casa, é tudo tão ruim que é como se eu tivesse uma esposa em cada canto da casa.” Então, o rei se ofendeu, e disse: — “ Você é um imbecil.” — “Ah, senhor rei,” respondeu o camponês, “o que você pode esperar de uma vaca, que não fosse um bife?” — “Chega,” disse o rei, “vou te dar uma outra recompensa. Vai-te embora agora e volta dentro de três dias, e então, terás quinhentos bem contados.”
Então o açougueiro ficou nervoso, pegou um cabo de vassoura e expulsou o camponês. — “Espere um pouquinho,” pensou o camponês, “deve haver ainda justiça no mundo!” e foi para o palácio do rei e solicitou uma audiência. Ele foi levado diante do rei, o qual estava sentado ao lado da sua filha, e lhe perguntou que prejuízo ele havia sofrido. — “O senhor não imagina,” disse ele, os sapos e os cachorros tomaram de mim o que me pertence, e o açougueiro me retribuiu com vassouradas,” e relatou com todos os detalhes tudo o que havia acontecido. Então, a filha do rei começou a achar tudo muito engraçado e o rei disse para ele: — “Não posso te fazer justiça nesse caso, mas você receberá a minha filha como esposa, -- em toda a sua vida ela nunca riu desse jeito como riu agora, e eu prometi que ela se casaria com aquele que conseguisse fazê-la sorrir. Você deve agradecer a Deus porque você é um cara de sorte!”
Quando o camponês saía pelo portão, o sentinela disse: — “Você conseguiu fazer a filha do rei sorrir, então, certamente você receberá alguma coisa boa.” — “Sim, é o que eu também acho,” respondeu o camponês, “quinhentos bem contados me serão dados.” — “Escuta,” disse o soldado, “me dê um pouco disso. O que você vai fazer com todo esse dinheiro?”
— “Como é para você,” disse o camponês, “você receberá duzentos, dentro do prazo de três dias, apresente-se diante do rei, e peça a ele que isso te seja entregue.” Um judeu, que estava parado ali, e tinha ouvido a conversa, foi correndo atrás do camponês, o segurou pelo casaco, e disse: — “Oh, maravilha! que garoto de sorte que você é! Eu troco para você, eu troco para você com pequenas moedas, porque você precisa das notas graúdas dos táleres?” — “Judeu,” disse o camponês, “você ainda pode receber trezentos, me dê esse valor agora mesmo em moedas, dentro de três dias a partir de hoje, você poderá receber esse valor pelas mãos do rei.”
O judeu dava pulos de alegria diante do lucro, e trouxe todo o valor em grosche muito usado, onde três dos ruins valeriam dois bons. Três dias haviam decorridos, e de acordo com a ordem do rei, o camponês compareceu diante do rei. — “Tire o casaco dele,” disse o rei, “e ele receberá os quinhentos.” — “Ah,” disse o camponês, “eles não me pertencem mais, eu dei de presente duzentos deles para o sentinela, e trezentos o judeu trocou para mim, então, por direito, não tenho direito a mais nada.”

Não precisou que o rei falasse duas vezes para o camponês, e ele encheu os seus bolsos enormes com tudo o que coube dentro. Depois ele foi até uma estalagem, e contou todo o dinheiro. O judeu foi escondido atrás dele e ouvia que ele resmungava sozinho, — “O desgraçado do rei me trapaceou afinal, porque ele mesmo não poderia ter-me dado o dinheiro, e então, eu saberia o quanto tenho? Quem pode me dizer agora, se o que eu tive a sorte de colocar nos meus bolsos é suficiente ou não? — “Meu Deus do céu!”, disse o judeu para si mesmo, “esse homem está falando de modo desrespeitoso do nosso senhor, o rei, eu vou correndo lá para informá-lo, e então, eu receberei uma recompensa, e ele será punido também.”
esse momento, o soldado e o judeu entraram e reclamaram o que eles tinham ganhado do camponês, e eles receberam as quinhentas chicotadas bem contadas. O soldado suportou com paciência pois já tinha sofrido antes, mas o judeu falou arrependido: — “Oh não, seriam estes os tálares que eu deveria receber?” O rei não conseguia para de rir para o camponês, e toda a sua raiva foi embora, e ele disse: — “Como você já recebeu a tua recompensa antecipadamente, eu te darei uma compensação em troca. Vá até a minha câmara de tesouro e pegue todo o dinheiro que quiser.”
Quando o rei ouviu o que o camponês tinha dito, ele ficou furioso, e exigiu que o judeu fosse e trouxesse o blasfemador até ele. O judeu correu até onde o camponês estava, — “Você precisa ir imediatamente até o rei, nosso senhor, com as roupas que você estiver usando.”
— “Sei de uma coisa melhor que essa,” respondeu o camponês, “preciso conseguir um casaco novo primeiro. Você acha que um homem com tanto dinheiro no bolso se apresenta diante do rei com um casaco velho e rasgado?”
O judeu, quando ele viu que o camponês não se mexia porque não tinha outro casaco, e como ele temia que a fúria do rei esfriasse, e ele próprio perderia a sua recompensa, e o camponês não seria punido, ele disse: — “Eu mesmo, como prova da minha verdadeira amizade, te empresto um casaco por algum tempo. O que as pessoas não fazem por amor!” O camponês deu-se por satisfeito, vestiu o casaco do judeu, e saiu em companhia dele.

— “O que você disse?” berrou o judeu. “Este casaco não é meu? Eu emprestei ele a você por pura amizade, para que você pudesse se apresentar diante do rei?” Quando o rei ouviu isso, ele disse: — “O judeu com certeza está me enganando ou a nós dois, ou a mim ou ao camponês,” e novamente mandou que lhe aplicassem novas e pesadas chibatadas. O camponês, todavia, voltou com um casaco novo, com dinheiro no bolso, e dizia para si mesmo: — “Desta vez eu acertei!”


O rei repreendeu o camponês porque ele havia falado mal de acordo com o que o judeu tinha informado. — “Ah,” disse o camponês, “o que um judeu fala é sempre mentira -- jamais se ouviu que um judeu falasse a verdade! Esse ordinário é capaz de dizer que eu estou usando o casaco dele.”

João, o fiel - irmãos Grimm



Era uma vez um rei muito velho e que estava doente, e pensava consigo mesmo:

— “Eu estou deitado naquele que será o meu leito de morte.” Então, ele disse. — “Digam a João, o fiel, para que venha até aqui.” João, o fiel, era seu criado favorito, e era assim chamado, porque durante toda a sua vida ele tinha sido muito sincero para o rei. Quando então ele chegou na beirada da cama do rei, este lhe disse:

— “João, meu mais fiel criado, sinto que o meu fim está se aproximando, e não tenho nenhuma vontade, exceto com relação ao meu filho. Ele ainda é muito jovem, e nem sempre sabe como se conduzir. Se tu me prometeres que vais ensinar a ele tudo o que ele deve saber, e ser para ele um pai adotivo, eu poderei fechar meus olhos em paz.” Então, João, o fiel, respondeu:

— “Eu não o abandonarei, e o servirei com fidelidade, ainda que isso me custe a própria vida.” Diante disto, o velho rei disse:

— “Agora posso morrer consolado e em paz.”

Depois ele acrescentou:

— “Depois que eu morrer, quero que mostres todo o castelo para o meu filho, todas os quartos, corredores, os cofres, e todos os tesouros que estão dentro dos cofres, mas o último quarto, que fica na longa galeria, onde está o retrato da princesa do Palácio de Ouro, tu não deves mostrar a ele. Se ele ver aquele quadro, ele irá se apaixonar loucamente por ela, e irá cair desmaiado, e passará por grandes riscos por causa dela, portanto, deves impedir que ele faça isso.” E quando João, o fiel, prometeu mais uma vez para o velho rei que ele faria o que o rei havia determinado, este não falou mais nada, mas deitou sua cabeça no travesseiro e morreu.

Depois que o velho rei tinha sido levado para a sua sepultura, João, o fiel, disse ao jovem rei tudo o que ele tinha prometido ao seu pai no leito de morte, e disse:

— “Vou fazer tudo o que o seu pai me pediu, e serei fiel para ti assim como fui fiel para ele, mesmo que isso me custe a vida.” Quando o período de luto havia passado, João, o fiel, disse ao jovem rei:

— “É chegada a hora de veres tudo o que herdaste. Mostrarei para ti o palácio de teu pai.” Então, ele levou o jovem para conhecer todos os lugares, acima e abaixo, e mostrou-lhe todas as riquezas, e os magníficos apartamentos, havendo somente um quarto que ele não abriu, aquele onde havia pendurado um perigoso retrato. O quadro, no entanto, era colocado de tal maneira que quando a porta abria você olhava direto para ele, e ele fora tão admiravelmente pintado que o quadro parecia que respirava e vivia, e não havia nada mais encantador nem mais maravilhoso no mundo.

O jovem rei, todavia, percebeu claramente que João, o fiel, sempre passava reto nesta porta, e disse:

— “Porque você nunca abre esta porta para mim?

— “Há algo dentro dele,” respondeu, — “que iria te assustar muito.” Mas o rei continuou:

— “Eu já vi todo o palácio, e eu quero saber o que há neste quarto também”, e ele foi e tentou abrir a porta a força. Então, João, o fiel, o deteve por trás e disse:

— “Eu prometi ao teu pai, antes dele morrer, que tu não verias o que há neste quarto, pois, isso traria o maior infortúnio para ti e para mim.”

— “Ah, não,” retrucou o jovem rei, — “Se eu não entrar dentro dele, isso será com certeza a minha destruição. Eu não conseguirei descansar nem de dia nem de noite até que o tenha visto com meus próprios olhos. Eu não sairei daqui agora até que abras esta porta.”

Então, João, o fiel, viu que não adiantava nada, e com o coração angustiado e depois de muito soluçar, pegou a chave que estava no meio do grande molho. Assim que ele abriu a porta, ele entrou primeiro, e pensou que ficando de frente para o jovem rei ele conseguiria esconder o retrato para que o rei não conseguisse vê-lo de frente, mas de que serviu isso? O rei ficou na ponta dos pés e viu o retrato por cima dos ombros do fiel servidor.

E quando ele viu o retrato da donzela, que era tão magnífico e que brilhava com ouro e pedras preciosas, ele caiu desmaiado no chão. João, o fiel, o levantou, levou para sua cama, e pensou com tristeza:

— “O infortúnio cairá sobre nós, Senhor Deus, qual será o desfecho de tudo isso?” Então, ele o reanimou com vinho, até que o jovem rei voltou a si novamente. As primeiras palavras que o jovem rei falou foram:

— “Ah, que lindo retrato! De quem era ele?

— “Aquele era retrato da princesa do Palácio de Ouro, respondeu João, o fiel. Então, o rei continuou:

— “O meu amor por ela é tão grande, que se todas as folhas de todas as árvores fossem línguas, elas não conseguiriam declará-lo. Eu daria a minha vida para conquistá-la. Tu és o meu criado mais fiel, tu deves me ajudar.”

O criado fiel pensou consigo mesmo durante longo tempo em como resolver esse problema, pois, era muito difícil conseguir uma audiência com a filha do rei. Finalmente, ele encontrou uma maneira, e disse ao rei:

— “Tudo o que ela tem em torno dela é de ouro — mesas, cadeiras, pratos, copos, travessas, e mobiliário de casa."

Dentre os teus tesouros encontram-se cinco toneladas de ouro, permita que alguns dos ourives do reino trabalhem todos os tipos de vasos e utensílios, e façam todos os tipos de pássaros, de animais selvagens e de animais exóticos, de tal maneira que possa agradá-la, e nós iremos lá com essas peças e tentaremos a nossa sorte.”

O rei ordenou que todos os ourives fossem trazidos até ele, e eles tiveram de trabalhar dia e noite até que finalmente os objetos mais esplendorosos foram preparados. Quando tudo já estava arrumado a bordo do navio, João, o fiel, vestiu a roupa de mercador, e o rei foi obrigado a fazer o mesmo para que ele se tornasse praticamente irreconhecível. Então, eles navegaram pelos mares, e continuaram navegando até que chegaram à cidade onde vivia a princesa do Palácio de Ouro.

João, o fiel, pediu ao jovem rei para que ficasse atrás no navio e o esperasse. — “Talvez eu consiga trazer a princesa comigo”. Disse o rei:

— “Portanto, verifique se tudo está em ordem, mande expor todos os objetos de ouro e providencie para que todo navio seja decorado.” Então, o fiel criado colocou em seu avental todos os tipos de peças de ouro, saiu do navio e caminhou direto para o palácio real. Quando ele entrou no pátio do palácio, uma linda garota estava ao lado do poço com dois baldes em suas mãos, tirando água com eles.

E quando ela havia se virado para levar a água cintilante, ela viu o estrangeiro e lhe perguntou quem ele era. Então, ele respondeu:

— “Eu sou um mercador,” e abriu o seu avental, e deixou que ela olhasse tudo. Então, ela exclamou:

— “Oh, que lindos objetos de ouro!” E colocou os baldes no chão e olhou os utensílios de ouro um de cada vez. Então, a garota disse:


— “A princesa precisa ver isso, ela adora tanto ver objetos de ouro, que comprará tudo o que o senhor tiver.”

Ela o pegou pela mão e o levou até o andar superior, pois, esta era a camareira da princesa. Quando a filha do rei viu os utensílios, ela ficou muito feliz e disse:

— “Elas são tão bem trabalhadas, que eu comprarei de ti todas elas.” Mas, João, o fiel, disse:

— “Eu sou apenas o criado de um rico mercador. As coisas que eu tenho aqui não são nada quando comparadas com aquelas que o meu amo trouxe em seu navio. São os objetos mais lindos e mais valiosos que já foram fabricados em ouro.”

Ela queria que tudo fosse trazido até ela, mas o fiel criado respondeu:

— “Há tantas peças como essas aí que eu levaria muitos dias para trazê-las até aqui, e tantas salas seriam necessárias para serem mostradas, que o teu palácio não seria grande o bastante.” Então, a curiosidade e a ansiedade dela aumentaram ainda mais, até que ela disse finalmente:

— “Leve-me até o navio, eu mesma irei até lá, para contemplar os tesouros do teu amo.”

Diante disto, João, o fiel, ficou muito satisfeito, e a conduziu até o navio, e quando o rei a viu, ele percebeu que a sua beleza era muito maior que aquela que o retrato pretendia representar, e não conseguiu pensar em mais nada, exceto que o seu coração iria explodir. Então, ela entrou no navio, e o rei a conduziu para dentro. João, o fiel, todavia, permaneceu atrás com o piloto, e ordenou para que o navio zarpasse imediatamente, dizendo:

— “Icem todas as velas, para que possamos voar como um pássaro no ar.”

No interior do navio, todavia, o rei mostrava a ela todos os recipientes de ouro, cada um deles, e também os animais selvagens e os animais exóticos. Muitas horas se passaram enquanto ela ficou olhando tudo, e diante do encanto que vivia, ela não percebeu que o navio estava indo embora. Quando ela finalmente olhou a última peça, ela agradeceu ao mercador e quis ir para casa, mas quando chegou na lateral do navio, ela viu que estavam no mar profundo longe do continente, e o navio avançava apressadamente a todo vapor.

— “Ah,” gritou ela, assustada, — “Fui traída! Eu sendo levada embora e caí nas garras de um mercador — Quero morrer!” O rei, todavia, pegou a sua mão, e disse:

— “Eu não sou mercador. Sou rei, e de origem não menos nobre do que tu, e se eu te conduzi até aqui com sutileza, isso foi por causa do grande amor que tenho por ti. A primeira vez que eu vi o teu retrato, eu caí desfalecido no chão.” Quando a princesa do Palácio de Ouro ouviu aquilo, ela se consolou, e o seu coração se inclinou para ele, de modo que de bom grado ela concordou em ser sua esposa.

Aconteceu, todavia, enquanto estavam navegando sobre o mar profundo, que João, o fiel, que estava sentado na parte dianteira do barco, compondo música, observou três corvos no céu, que vinham voando em direção a eles. Diante disto, ele parou de tocar e escutou o que eles estavam dizendo um para o outro, pois disso ele entendia bem. Um deles exclamou:

— “Oh, lá vai ele levando a princesa do Palácio de Ouro para casa.”

— “Sim,” respondeu o segundo, — “mas ele não a conquistou ainda.” Disse o terceiro:

— “Mas ele a conquistou sim, ela está sentada ao lado dele no navio.” Então, o primeiro começou novamente, e exclamou:

— “Mas de que adianta isso para ele? Quando eles chegarem em terra um cavalo alazão irá saltar de encontro a ele, e o príncipe irá querer montá-lo, mas se ele fizer isso, o cavalo irá fugir com ele, e voará pelos céus com ele, e ele nunca mais verá a princesa.” Falou o segundo:

— “Mas não existe uma saída?”

— “Oh, sim, se alguém subir nele imediatamente, e pegar a arma que deverá estar no coldre, e matar o cavalo com a arma, o jovem rei será salvo. Mas, quem sabe disso? E aquele que o souber, e disser isso a rei, será transformado em pedra dos pés até os joelhos.” Então, disse o segundo:

— “Eu sei mais do que isso: ainda que o cavalo seja morto, o jovem rei não ficará com a sua noiva. Quando eles forem juntos para o castelo, uma roupa de núpcias muito bem trabalhada será colocada numa travessa, e parecendo como se tivesse sido tecida com ouro e prata; no entanto, não passará apenas de enxofre e pixe, e se ele vestir a roupa, ele sentirá queimaduras desde os ossos até a medula.” Disse o terceiro:

— “Mas será que não existe nenhuma saída?”

— “Oh, sim,” respondeu o segundo, — “se alguém usando luvas pegar a roupa e a lançar ao fogo e queimá-la, o jovem rei será salvo. Mas, de que adianta isso? Aquele que souber disso e dizer ao rei, metade do seu corpo se transformará em pedra dos joelhos até o coração.”

Então, disse o terceiro:

— “Estou sabendo de muito mais: mesmo que a roupa de núpcias seja queimada, o jovem rei ainda não ficará com a sua noiva. Depois do casamento, quando o baile começar e a jovem rainha estiver dançando, ela imediatamente ficará pálida e cairá como se estivesse morta, e se alguém não a socorrer e sugar três gotas de sangue do seu peito direito e cuspí-los novamente, ela morrerá. Mas, se alguém souber disso e o declarar, ele se transformará em pedra da coroa da sua cabeça até a sola dos seus pés.”

Quando os corvos haviam falado tudo isso, eles seguiram voando, e João, o fiel, havia compreendido tudo, mas daquele dia em diante ele ficou calado e triste, pois, se ele ocultasse do seu amo o que ele tinha escutado, este seria vítima do infortúnio, e se ele o revelasse ao rei, ele próprio deveria sacrificar a sua vida. Por fim, disse para si mesmo:

— “Salvarei o meu amo, mesmo que isso traga destruição para mim.”

Quando então, eles chegaram em terra, tudo aconteceu como tinha sido previsto pelos corvos, e um magnífico cavalo alazão saltou em direção a eles.

— “Bom,” disse o rei, — “ele me levará até o palácio, e ia montá-lo quando João, o fiel, entrou na frente do rei, saltou sobre o cavalo, pegou a arma que estava no coldre, e matou o cavalo.

Então, os outros que faziam parte da comitiva do rei, e que afinal de contas não gostavam de João, o fiel, gritaram:

— “Que vergonha, matar um lindo animal, que ia levar o rei para o palácio!” Mas o rei disse:

— “Fiquem tranquilos e deixem-no em paz, ele é João, o meu criado mais fiel, e sabe muito bem o que está fazendo!”

Eles foram para o palácio, e na entrada havia uma travessa, e nela estava a roupa de núpcias que parecia não ter sido trabalhada senão com ouro e prata.

O jovem rei caminhou em direção à roupa e ia pegá-la, quando João, o fiel, o empurrou para longe, pegou-a com as suas luvas, e levou-a imediatamente para o fogo e a queimou. Os outros da comitiva do rei começaram a murmurar, e disseram:

— “Vejam, agora ele está queimando a roupa nupcial do rei!” Mas o jovem rei disse:

— “Quem sabe o bem que ele está nos fazendo, deixem-no em paz, ele é João, o meu criado mais fiel.”

E o casamento foi solenemente realizado, o baile começou e a noiva também tomou parte dele, então João, o fiel, estava vigilante e olhava para o rosto dela, e de repente ela ficou pálida e caiu no chão, como se estivesse morta. Diante disto, o fiel servidor correu imediatamente até ela, e a socorreu e a carregou até seus aposentos — então, ele a colocou na cama, se ajoelhou e sugou três gotas de sangue do seu lado direito do peito, e cuspiu tudo.

Imediatamente ela respirou novamente e se reanimou, mas o jovem rei viu isto, e desconhecendo porque João, o fiel, havia feito isso, ficou bravo e exclamou:

— “Levem-no para o calabouço.” Na manhã seguinte João, o fiel, foi condenado, e conduzido para as galeras, e quando ele estava de pé, e ia ser executado, ele falou:

— “Todo aquele que está para morrer, lhe é permitido fazer um último pedido antes da conclusão da pena, posso também reivindicar esse direito?”

— “Sim,” respondeu o rei. Então, disse João, o fiel.

— “Estou sendo condenado injustamente, e sempre te fui sincero,” e ele contou como ele tinha ouvido a conversa entre os corvos quando estavam no mar, e como ele tinha sido obrigado a fazer todas aquelas coisas para salvar o seu amo. Então, o rei exclamou:

— “Oh, João, meu criado mais fiel. Me perdoe, me perdoe — tirem-no daí.” Mas João, o fiel, disse a última palavra e caiu sem vida e se transformou numa pedra.

Então, o rei e a rainha ficaram muito angustiados, e o rei disse:

— “Ah, como eu recompensei mal uma grande fidelidade!” e ordenou que a figura de pedra fosse levada dalí e colocada em seus aposentos ao lado de sua cama. E sempre que ele olhava para a estátua ele chorava e dizia:

— “Ah, se eu pudesse restituir-te a vida novamente, João, meu criado mais fiel.” Algum tempo se passou e a rainha deu à luz a um casal de gêmeos, os dois filhos cresceram rápidos e eram toda sua alegria.

Uma vez, quando a rainha tinha ido na igreja e as duas crianças estavam sentadas ao lado do pai, este, cheio de pesar olhou novamente para a figura de pedra, suspirou e disse:

— “Ah, se eu pudesse restituir-te a vida novamente, João, meu criado mais querido.” Então, a pedra começou a falar e disse:

— “Podes restituir-me a vida novamente, se usares para esse propósito aquilo que é mais caro para ti.” Então, o rei exclamou:

— “Daria tudo que tenho no mundo para ti.” A pedra continuou:

— “Se cortares a cabeça de teus dois filhos, com tuas próprias mãos, e me espargires com o sangue deles, a minha vida será restituída.”

O rei ficou chocado quando ouviu que ele mesmo deveria tirar a vida de seus filhos queridos, mas ele se recordou da grande fidelidade de seu criado João, e de como este havia morrido por ele, sacou da sua espada, e com suas próprias mãos cortou as cabeças das crianças. E depois que ele espargiu a pedra com o sangue deles, a vida lhe foi restituída, e João, o fiel, estava mais uma vez diante dele a salvo e com saúde. Ele disse para o rei:

— “A tua coragem não ficará sem recompensa, e pegou as cabeças das crianças, e as colocou de volta novamente, e esfregou os ferimentos com o sangue delas, e elas ficaram curadas novamente, e começaram a pular, e sairam brincando como se nada tivesse acontecido.
Então, o rei ficou radiante de alegria, e quando ele percebeu que a rainha estava chegando, ele escondeu João, o fiel, e as duas crianças num grande armário. Quando ela entrou, ele disse a ela:

— “Estivestes rezando na igreja?

— “Sim,” respondeu ela — “mas eu tenho pensado constantemente em João, o fiel, e no infortúnio que caiu sobre ele por nossa culpa.” Então, ele disse:

— “Querida esposa, nós podemos restituir a vida dele novamente, mas isso nos custará nossos dois filhinhos, a quem devemos sacrificar.” A rainha ficou pálida e seu coração ficou cheio de pavor, mas ela disse:

— “Nós devemos isso a ele, pela sua grande fidelidade.” Então, o rei ficou radiante de alegria porque ela pensava como ele havia pensado, e foi e abriu o armário, e tirou de dentro dele João, o fiel, e os dois filhinhos, e disse:

— “Deus seja louvado, ele foi libertado, e nós temos nossos dois filhos novamente também,” e contou a ela tudo o que havia acontecido. Então, eles viveram juntos muito felizes até o fim de suas existências.

O lobo e os sete cabritinhos - irmãos Grimm

Era uma vez uma velha cabrita que tinha sete cabritinhos, e os amava com todo o amor que uma mãe tem por seus filhos. Um dia ela queria ir para a floresta para buscar algum alimento. Então, ela chamou todos os sete até ela e disse:

— “Queridos filhinhos, eu preciso ir para a floresta, fiquem atentos com o lobo, se ele aparecer, ele irá devorar vocês inteirinho com pele e osso. O infeliz vem sempre disfarçado, mas vocês o reconhecerão imediatamente por causa da sua voz grossa e seus pés pretos.” Os cabritinhos disseram:

— “Querida mãezinha, nós vamos tomar muito cuidado, a senhora pode ir sem preocupação.” Então, a cabrita velha deu um berro e foi embora muito tranquila.

Não passou muito tempo e alguém bateu na porta da casa e gritou:

— “Abram a porta, queridos filhinhos, a mãe de vocês chegou, e trouxe uma surpresinha para cada um de vocês.” Mas, os cabritinhos sabiam que se tratava do lobo, por causa da voz grossa:

— “Nós não abriremos a porta,” eles gritaram, ”você não é a nossa mãe. Ela tem uma voz macia e agradável, mas a tua voz é grossa, você é o lobo!”

Então, o lobo foi embora até um gerente de loja e comprou um pedaço de barro, comeu o barro e a sua voz ficou mais suave depois disso. Então, ele voltou, bateu na porta da casa, e gritou:

— “Abram a porta, queridos filhinhos, a mamãe de vocês chegou e trouxe uma surpresinha para cada um de vocês.” Mas o lobo tinha colocado as suas patas negras contra a janela, e as crianças viram e gritaram:

— “Nós não abriremos a porta, a nossa mãe não tem pés negros como os teus. Então, o lobo foi até o padeiro e disse:

— “Eu machuquei as minhas patas, será que você poderia esfregar um pouco de massa para mim.” E quando o padeiro esfregou o pé dele com a massa, ele correu até o moleiro e disse:

— “Espalhe um pouco de farinha de trigo na minha perna para mim.” O moleiro pensou consigo mesmo:

— “O lobo está querendo enganar alguém,” e se recusou; mas o lobo disse:

— “Se você não fizer isso, eu vou te devorar.” Então, o moleiro ficou com medo, e passou farinha de trigo nas patas do lobo. Pessoas honestas são assim mesmo.

Então, ele foi pela terceira vez até a porta da casa dos cabritinhos, bateu e disse:

— “Abram a porta para mim, crianças, é a mamãe que voltou, e trouxe uma coisinha da floresta para cada um de vocês.” As crianças gritaram:

— “Primeiro nos mostre as suas patas para que possamos saber se você é a nossa querida mãezinha.” Então, o lobo colocou as patas pela janela, e quando os cabritinhos viram que as patas eram brancas, eles acreditaram que era verdade, e abriram a porta.

Mas quem entrou senão o lobo! Eles ficaram apavorados e quiseram se esconder. Um saltou para debaixo da mesa, o segundo para debaixo da cama, o terceiro para dentro do fogão, o quarto foi para a cozinha, o quinto se escondeu dentro do armário, o sexto dentro da bacia de lavar louça que era de porcelana, e o sétimo dentro da caixa do relógio. Mas o lobo encontrou todos eles, e não fez nenhuma cerimônia, e um após o outro, ele engoliu todos eles para dentro da sua goela.

O cabritinho menorzinho que estava dentro da caixa do relógio foi o único que não foi encontrado. Quando o lobo havia saciado a sua fome, ele foi embora, se deitou debaixo de uma árvore, e começou a dormir. Logo depois a cabrita mãe voltou novamente para casa vindo da floresta. Ah!, o que ela viu então!. A porta da casa estava toda aberta. A mesa, as cadeiras, e os bancos estavam espalhados, a bacia de lavar louça que era de porcelana estava reduzida a cacos, e os acolchoados e os travesseiros estavam espalhados para fora da cama.

Ela procurou as crianças, mas não os encontrou em lugar nenhum. Ela os chamava pelo nome, um após o outro, mas ninguem respondia. Finalmente, quando ela procurou o menorzinho, uma voz muito fraca respondeu:

— “Querida mamãe, eu estou dentro da caixa do relógio.” Ela tirou o cabritinho de lá, e ele contou para a mamãe que o lobo tinha vindo lá e tinha comido todos os seus irmãozinhos. Então, você pode imaginar como ela chorou por causa dos seus filhinhos.

Finalmente, desesperada ela saiu, e o cabritinho mais novo fugiu com ela. E quando eles chegaram perto do mato, lá estava o lobo debaixo de uma árvore, e roncava tão alto que até os galhos da árvore tremiam. Ela olhou para ele e por todos os lados viu que alguma coisa estava se mexendo e se debatia dentro do seu corpo inchado.

— “Oh, céus,” disse ela, “será possível que meus pobres filhinhos que ele engoliu no jantar, podem ainda estar vivos?”

Então, o cabritinho foi correndo para casa e trouxe a tesoura, e uma agulha e uma linha, e a cabrita mãe abriu a barriga do monstro, e mal tinha ela feito um corte, e um cabritinho colocou a cabeça para fora, e quando ela continuou cortando, todos os seis saltaram, um depois do outro, e todos eles estavam vivos ainda, e não tinham sofrido nenhum ferimento, pois devido a voracidade o lobo os tinha engolido inteirinhos, sem mastigar.

Que felicidade que foi! Então, eles abraçaram a sua querida mãezinha, e eles pulavam felizes como crianças na frente de um sorvete. A mãe, todavia, disse,

— “Agora, vamos procurar algumas pedras grandes, e nós encheremos o estômago do lobo mau com elas enquanto ele ainda está dormindo.” Então, os sete cabritinhos trouxeram as pedras até ali rapidamente, e colocaram todas que couberam em seu estômago, e a mamãe cabra costurou o estômago do lobo bem depressa, e então, ele não desconfiou de nada e nem se mexeu nenhuma vez.
Quando o lobo, finalmente, acordou do seu sono, ele ficou de pé, e como as pedras que estavam em seu estômago o deixaram com muita sede, ele quis ir a um poço para beber água. Mas, quando ele começou a andar e a se mexer, as pedras que estavam em seu estômago começaram a rolar umas contra as outras, como se fosse um chocalho. Então, ele gritou:

— “Que grandes estrondos, pareço ouvir, pensei que fossem os seis cabritinhos, Mas grandes pedras parecem ruir.”

E quando ele chegou no poço, se abaixou para pegar água e ia beber, as enormes pedras o fizeram cair dentro do poço, e não teve jeito, mas ele morreu afogado, infelizmente. Quando os sete cabritinhos viram isso, eles vieram correndo até o poço e gritavam alto:

— “O lobo morreu! O lobo morreu! E dançaram a roda da alegria em torno do poço junto com a mãe deles.”

segunda-feira, 2 de maio de 2016

O Lobo e o Cordeiro - Esopo

Estava bebendo hum Lobo encarniçado em hum ribeiro de agua, e pela parte debaixo chegou hum Cordeiro tambem a beber. Olhou-o o Lobo de mal rosto, e disse reganhando os dentes: Porque tiveste tanta ousadia de me turvar a agua, onde estou bebendo? Respondeu o Cordeiro com humildade: A agua corre para mim, por tanto não posso eu torvar-vola. Torna o Lobo mais colérico a dizer: Por isso me as de praguejar? Seis meses haverá que me fez outro tanto teu Pai. Respondeu o Cordeiro: Nesse tempo Senhor, ainda eu não era nascido, nem tenho culpa. Sim tens, replicou o Lobo, que todo o pasto de meu campo estragaste. Mal pode ser isso, disse o Cordeiro, porque ainda não tenho dentes. O Lobo, sem mais razões, saltou sobre ele, e logo o degolou e o comeu.
MORAL
Claramente mostra esta Fabula que nenhuma justiça, nem razões valem ao inocente, para o livrarem das mãos do inimigo poderoso e desalmado. Poucas Cidades ou Vilas ha, onde não haja estes Lobos, que sem causa, nem razão, matão ao pobre, e lhe chupão o sangue, só por ódio ou má inclinação.

A história do garoto que saiu para aprender o que era o medo - irmãos Grimm

Um pai tinha dois filhos, o mais velho deles era sábio e sensato, e sabia fazer de tudo, mas o mais jovem era tolo, e não conseguia aprender nem entender nada, e quando as pessoas o viam, elas diziam:

— “Este é um garoto que dará muito trabalho ao pai!”

Quando algo precisava ser feito, era sempre o mais velho que fazia, mas se o seu pai pedia ao mais velho que fosse buscar qualquer coisa quando já era tarde, ou já estivesse escuro, e o caminho tivesse de passar perto do cemitério, ou de qualquer outro lugar assustador, ele respondia:

— “Oh não, pai, eu não vou lá, isso me causa arrepios!” porque ele sempre tinha medo.

Ou quando histórias em volta da fogueira eram contadas a noite, ele ficava todo arrepiado, e aqueles que estavam por perto sempre diziam:

— “Oh não, estou ficando com medo!” O mais jovem ficava sentado no canto e escutava as histórias com o resto das pessoas, e não conseguia imaginar o que significava tudo aquilo.

— “Eles estão sempre dizendo, "estou ficando com medo, estou ficando com medo!" Eu não estou ficando com medo,” pensava ele. “Talvez essa fosse uma arte que eu precisava entender!”

E então, aconteceu que seu pai um dia disse a ele:

— “Ouça-me, garoto que está sentado aí no canto, você está ficando alto e forte, e você deve aprender alguma coisa com a qual possa ganhar a vida. Veja como o teu irmão trabalha, mas você não ganha nem sequer para comprar um quilo de sal.”

— “Bem, pai,” respondeu ele, “eu tenho vontade de aprender alguma coisa, de verdade, e se isso pode ser ensinado, eu gostaria de aprender a ter medo. Eu não entendo nada disso.”

O irmão mais velho, riu ao ouvir isso, e pensou consigo mesmo:

— “Bom Deus, como o meu irmão é tolo! Ele nunca vai prestar para nada enquanto viver! Para ser foice o metal desde cedo deve se dobrar aos imperativos do tempo.”

O pai suspirou e respondeu:

— “Você logo aprenderá o que é ter medo, mas você não terá o teu sustento com isso.”

Pouco tempo depois um sacristão foi à casa dele para uma visita, e o pai desfilou um rosário de lamentações, e lhe contou como o seu filho mais jovem era tão refratário em todos os aspectos, que ele não sabia nada e não aprendia nada.

— “Veja só,” disse o pai, “quando eu perguntei a ele o que ele faria para ganhar a vida, ele me respondeu que queria aprender a ter medo.”

— “Se é isso mesmo o que ele quer,” respondeu o sacristão, “eu posso ensinar isso a ele. Fale pra ele me procurar, eu vou deixá-lo afinadíssimo.”

O pai ficou contente, porque ele pensou:

— “Vou fazer um teste com o garoto.” Então, o sacristão o levou para casa, e ele precisava tocar o sino. Depois de um ou dois dias, o sacristão o acordou a meia noite, e disse a ele para que se levantasse e subisse até a torre da igreja para tocar o sino.

— “Você logo aprenderá o que é ter medo,” pensou o sacristão, e às ocultas foi na frente dele, e quando o garoto estava no alto da torre e se virou, e já ía segurar na corda do sino, ele viu uma figura de branco que estava de pé nas escadas de frente para a janela do sino.

— “Quem está aí?” gritou o jovem, mas a figura não respondia, e não fazia nenhum movimento. “Responda-me,” gritou ele mais uma vez, “ou vá embora daqui, você não tem nada que fazer aqui a esta hora da noite.”

No entanto, o sacristão ficou parado e não se movia para que o garoto pensasse que se tratasse de um fantasma. O garoto gritou pela segunda vez:

— “O que você quer aqui? — fale se você for uma pessoa sincera, ou eu vou te jogar escada abaixo!”

O sacristão pensou: — “ele não pode ser tão malvado como está dizendo,” não fez nenhum barulho, e permaneceu parado como se fosse feito de pedra. Então, o garoto chamou pela terceira vez, e como isso também não adiantasse nada, ele correu em direção ao sacristão e empurrou o fantasma escada abaixo, que rolou dez degraus abaixo e permaneceu imóvel num canto.
Depois ele tocou o sino, foi para casa, e sem dizer uma palavra se deitou, e dormiu. A esposa do sacristão esperou durante muito tempo pelo marido, que não voltava. Então, ela ficou preocupada, e acordou o garoto, e perguntou:

— “Você não sabe onde o meu marido se encontra? Ele subiu a torre antes de você.”

— “Não, eu não sei,” respondeu o garoto, “Alguém estava na escada de frente para a janela do sino, e como ele não queria responder, e nem ia embora, pensei, que era um ladrão, e o derrubei da escada, vá lá e veja se era ele. Lamento muito caso seja ele.” A mulher saiu correndo e encontrou o marido dela, deitado e gemendo num canto, com a perna quebrada.

Ela o carregou para casa e depois aos berros foi correndo até a casa do garoto.

— “O seu garoto,” disse ela, “é a causa de uma grande desgraça! Ele atirou meu marido escada abaixo e quebrou uma perna dele. Leve embora de nossa casa esse infeliz que não serve para nada.”

O pai ficou apavorado, e correu imediatamente para lá e repreendeu o garoto:

— “Mas que maldade foi essa?” disse ele, “o Coisa Ruim deve ter colocado isso na tua cabeça.”

— “Pai,” respondeu ele, “me escute, por favor. Eu sou totalmente inocente. Ele estava de pé lá à noite como alguém que estivesse para fazer alguma maldade. Eu não sabia quem era ele, e por três vezes eu insisti para que ele falasse ou fosse embora.”

— “Ah,” disse o pai, “ você só me traz infelicidade. Saia da minha frente. Não quero te ver nunca mais.”

— “Sim,” pai, “te peço, espere pelo menos o dia clarear. Então, eu vou embora e aprenderei como ter medo, e de qualquer maneira entenderei uma arte que me servirá de suporte.”

— “Aprenda o que você quiser,” falou o pai, “para mim é indiferente. Tome aqui as cinquenta moedas. Pegue-as e enfrente o mundo selvagem, e não diga a ninguém de onde você veio, e quem é o teu pai, porque eu tenho motivos para ter vergonha de você.”

— “Sim, pai, será como o senhor desejar. Se o senhor não deseja nada mais do que isto, vai ser fácil cumprir a tua vontade.”
Quando o dia amanheceu, portanto, o jovem colocou as cinquenta moedas no bolso, e foi embora por uma grande rodovia, e dizia sempre para si mesmo:

— “Se eu pelo menos pudesse ter medo! Se eu pelo menos pudesse ter medo!” Então, um homem, que tinha ouvido o que o garoto falava, se aproximou e depois de andar mais um pouquinho, quando eles podiam ver um patíbulo, o homem disse a ele:

— “Olhe, ali fica a árvore, onde sete jovens festejaram o casamento da filha do fabricante de cordas, e agora eles estão aprendendo a voar. Fique sentado ali, e espere quando a noite chegar, e você irá aprender a ter medo.”

— “Se for isso tudo que é necessário,” respondeu o jovem, “isso é fácil de fazer, mas se eu aprender a ter medo tão rápido assim, você receberá cinquenta moedas. Volte aqui amanhã bem cedo.” Então, o jovem foi até o patíbulo, se sentou debaixo dele, e ficou esperando até a noite chegar.

Como estava com frio, ele se aqueceu perto de uma fogueira, mas a meia noite o vento soprava tão forte que apesar do fogo, ele não conseguia se aquecer. E como o vento fazia com que os homens que tinham sido enforcados ficassem batendo um contra o outro, e eles balançavam para a frente e para trás, ele pensou consigo mesmo:

— “Eu fico tremendo aqui embaixo perto da fogueira, mas, como aqueles que estão lá em cima devem estar congelados e sofrendo!” E como ele sentiu piedade por eles, subiu a escada, e subiu até onde eles estavam, desamarrou todos eles um após o outro, e desceu todos os sete.

Então, ele agitou o fogo, soprou, e colocou todos eles ao redor para se aquecerem. Mas eles ficavam sentados ali e não se mexiam, e o fogo começou a queimar a roupa deles. Então, ele disse:

— “Tomem cuidado, ou eu vou enforcá-los novamente.” Os homens que estavam mortos, todavia, não responderam, mas permaneceram em silêncio, e deixava que os seus farrapos continuassem queimando. Com isto ele ficou bravo, e disse:

— “Se vocês não tomarem cuidado, eu não vou ajudá-los, eu não vou ser queimado com vocês,” e ele pendurou de novo todos eles na forca. Depois ele voltou a se sentar perto do fogo e adormeceu, e na manhã seguinte o homem veio até ele e queria receber as cinquentas moedas, e disse:

— “Bem, você já sabe o que é ter medo?”

— “Não,” respondeu ele, “como é que eu deveria saber? Aqueles caras lá em cima não abriram a boca, e eram tão tapados que eles deixaram os trapos estavam vestindo em seus corpos se queimassem.” Então, o homem viu que ele não receberia as cinquenta moedas naquele dia, e foi embora dizendo:

— “Nunca uma coisa como esta havia acontecido para mim antes.”
O jovem novamente pegou o seu caminho, e mais uma vez começou a resmungar consigo mesmo:

— “Ah, se eu conseguisse ter medo! Ah, se eu conseguisse ter medo!”

Um carroceiro que estava atrás dele, e ouviu o que ele dizia, perguntou:

— “Quem é você ?”

— “Não sei,” respondeu o jovem. Então, o carroceiro lhe disse:

— “De onde você vem?”

— “Não sei.”

— “Quem é teu pai?”

— “Não posso lhe dizer isso.”

— “Porquê você não pára de resmungar entre os dentes?”

— “Ah,” respondeu o jovem, “eu tenho tanta vontade de saber como é ter medo, mas ninguém consegue me ensinar como fazer isso.”

— “Pare de falar bobagens,” disse o carroceiro. “Venha comigo, e eu encontrarei um lugar para você.” O jovem foi com o carroceiro, e à noitinha eles chegaram numa estalagem onde pretendiam passar a noite.
Então, bem na entrada do quarto, o jovem novamente disse bem em voz alta:

— “Ah se eu conseguisse ter medo! Ah se eu conseguisse ter medo!” O estalajadeiro, ao ouvir isto, riu muito e disse:

— “Se é isso o que você deseja, deve haver uma boa oportunidade para você aqui.”

— “Escute, fique quieto,” disse a esposa do estalajadeiro, “muitas pessoas curiosas já perderam suas vidas, seria uma pena e um pecado que olhos tão lindos como os teus não pudessem nunca mais ver o sol nascer.”

Mas o jovem disse: — “Por mais difícil que seja, eu quero saber, e foi para isto que eu viajei até aqui.” Ele não dava descanso para o estalajadeiro, até que este lhe disse: “que não muito longe dali ficava um castelo assombrado onde qualquer pessoa poderia aprender facilmente o que era o medo, se ele simplesmente passasse três noites naquele castelo. O rei havia prometido que aquele que tivesse essa coragem receberia a sua filha como esposa, que era a garota mais linda que o sol já derramou os seus raios cintilantes.

No castelo havia também grandes tesouros, os quais eram guardados pelos espíritos do mal, e estes tesouros seriam então, libertados, e tornariam rico o bastante qualquer pessoa miserável. Muitos homens já haviam ido até o castelo, mas nenhum deles conseguiu sair vivo de lá. Então, o jovem na manhã seguinte foi até o rei e disse que se lhe dessem permissão, ele ficaria três noites no castelo encantado.

O rei olhou para ele, e como o garoto lhe fosse agradável, ele disse:

— “Você pode pedir três coisas para levar com você para o castelo, mas devem ser coisas sem vida.” Então, ele respondeu:

— “Então, eu quero levar lenha para fazer fogo, um torno giratório e uma tábua de cortar com faca.” O rei mandou que estas coisas fossem levadas ao castelo para ele durante o dia. Quando a noite estava chegando, o jovem foi e fez para ele um fogo bem alto em uma das salas do castelo, colocou a tábua de cortar com a faca perto do fogo, e se sentou perto do torno giratório.

— “Ah se eu conseguisse ter medo!”, dizia ele, “mas eu acho que não vou aprender isso aqui também.” Por volta da meia noite, ele decidiu atiçar o fogo, e quando ele começou a soprar, de repente alguém gritou de algum lugar:

— “Au, miau, como está frio aqui!”

— “Seus idiotas!” gritou ele, “porque vocês estão gritando? Se vocês estão com frio, venham aqui para se aquecer perto do fogo.” E quando ele disse isso, dois grandes gatos pretos se aproximaram dando um salto estupendo e se sentaram um de cada lado dele, e olhavam furiosos para ele com seus olhos ardentes.
Passado algum tempo, depois que os gatos tinham se aquecido, eles disseram:

— “Camarada, será que nós poderíamos jogar baralho?”

— “Porque não,” respondeu ele, “mas primeiro me mostrem as garras de vocês.” Então, eles esticaram as suas garras.

— “Oh,” disse ele, “que unhas compridas que vocês têm! Espere, primeiro eu vou cortá-las um pouco para vocês.”

Então, ele pegou os gatos pelas gargantas, os colocou na tábua de cortar e rapidamente aparou as unhas deles.

— “Eu olhei para os dedos de vocês,” disse ele, “e minha vontade de jogar baralho foi embora,” e ele matou os dois gatos e os jogou na água. Mas quando ele tinha se livrado daqueles dois, e ia se sentar novamente perto da fogueira, de todos os buracos e de todos os cantos saíam gatos negros e cachorros pretos com correntes incandescentes, e vinham cada vez mais até que ele não conseguia se mexer, e eles gritavam terrivelmente, pegaram o fogo, espalharam todo, e queriam apagá-lo.

Ele olhou para eles durante algum tempo, mas depois eles começaram a cansá-lo, então, ele pegou a tábua de cortar, e gritou:

— “Fora daqui, seus vermes,” e começou a cortar todos eles impiedosamente. Parte deles fugiu, os outros ele matou, e atirou no riacho de peixes. Quando ele retornou ele soprou as brasas da fogueira novamente e voltou a se aquecer. E quando então, ele se sentou, seus olhos não conseguiam mais ficarem abertos, e ele sentiu vontade de dormir. Então, ele olhou ao redor e viu uma grande cama num canto.

— “É disso que estou precisando,” disse ele, e deitou nela. Quando ele ia fechar os olhos, todavia, a cama começou a andar sozinha, e percorreu todo o castelo.

— “Muito bem,” disse ele, “vamos rápido.” Então, a cama continuava a deslizar como se seis cavalos estivessem atrelados a ela, pra cima e pra baixo, pelas soleiras e pelas escadas, mas de repente, hop, hop, ela virou de cabeça para baixo, e montou nele como se fosse uma montanha. Mas ele lançou colchas e travesseiros pelo ar, saiu e disse:

— “Agora quem quiser, que dirija,” e se deitou perto do fogo, e dormiu até quando o dia amanheceu. De manhã o rei chegou, e quando viu que o jovem estava deitado no chão, o rei pensou que os maus espíritos o haviam matado e ele estava morto. Então, ele disse:

— “Que pena que ele morreu, afinal de contas ele era um rapaz bonito.” O jovem ouviu isso, se levantou e disse:

— “Ainda não é chegada a minha hora.” Então, o rei ficou surpreso, mas muito contente, e perguntou como ele tinha passado a noite.

— “Muito bem,” respondeu ele, “se passei uma noite, as duas outras irão passar também.” Então, ele foi até o estalajadeiro, que ficou de olhos arregalados, e disse:

— “Eu jamais esperava vê-lo vivo novamente! Será que você já aprendeu a ter medo?” — “Não,” disse ele, “não adiantou nada. Ah, se alguém pudesse me ensinar!”
Na segunda noite ele voltou ao velho castelo, se sentou perto do fogo, e mais uma vez começou a sua velha ladainha:

— “Ah se seu pudesse ter medo!” Quando chegou meia-noite, gritos e barulhos de coisas sendo derrubadas foram ouvidos, a princípio o barulho era baixo, mas ficava cada vez mais alto. De repente tudo ficou calmo por um instante, e finalmente ouviu-se um grito estridente, metade de um homem apareceu na chaminé e caiu na frente dele.

— “Opa!,” exclamou ele, “deve haver a outra metade. Isto é muito pouco!” Então, os gritos começaram novamente, ouviu-se rugidos e gemidos, e a outra metade caiu também.

— “Espere,” disse ele, “eu vou atiçar o fogo um pouco para você.” E depois de fazer isso ele olhou em volta novamente, e as duas metades haviam se juntado, e um homem assustador estava sentado no seu banco.

— “Isso não faz parte do nosso trato,” disse o jovem, “o banco é meu.”

O homem quis empurrá-lo, o jovem, todavia, não permitiu, mas o empurrou com todas as suas forças, e se sentou novamente no banco. De repente, mais homens começaram a cair, um depois do outro, nove pernas de homens mortos e duas caveiras foram trazidas, foram arranjadas e começaram a brincar jogo de dos nove palitos com elas. O jovem também quis brincar e disse:

— “Ouçam, será que eu também posso brincar?”

— “Sim, se você tiver dinheiro.”

— “Bastante dinheiro,” respondeu ele, “mas as bolas de vocês não são bem redondas.” Então, ele pegou as caveiras e as colocou no torno e as girou até que estivessem redondas.

— “Agora, sim, elas vão rolar melhor!” disse ele.

— “Viva! agora vai ser legal!” Ele brincou com os visitantes e perdeu um pouco de dinheiro, mas quando bateu meia noite todos desapareceram diante dele.
Ele se deitou e tranquilamente caiu no sono. Na manhã seguinte o rei veio para ter notícias dele.

— “Como é que você passou a noite desta vez?” perguntou ele.

— “Fiquei brincando a noite inteira o jogo dos nove palitos”, respondeu ele, “e perdi alguns centavos.”

— “Então, você sentiu medo?”

— “Sentiu o quê?” disse ele, “eu fiquei é feliz. Ah se seu soubesse o que é ter medo!”

Na terceira noite ele se sentou novamente em seu banco e disse muito triste:

— “Ah se seu soubesse o que é ter medo!”. Quando ficou tarde, apareceram seis homens altos e trouxeram um caixão. Então, ele disse:

— “Ra, ra, esse aí deve ser o meu primo, que morreu alguns dias atrás,” fez um gesto convidativo e exclamou:

— “Venha, priminho, venha.” Eles colocaram a caixa mortuária no chão, mas o jovem foi até ela e levantou a tampa, e no caixão havia um defunto.

Ele passou a mão na cara do defunto, mas ele estava frio como gelo.

— “Espere,” disse ele, “eu vou aquecer você um pouquinho,” e foi até a fogueira, esquentou a sua mão, e a colocou no rosto do cadáver, mas ele permanecia frio. Então, ele o tirou para fora, se sentou perto do fogo, e o colocou de bruços e esfregou os seus braços para que o sangue pudesse circular novamente. Como isso não deu resultado, ele pensou consigo mesmo:

— “Quando duas pessoas se deitam juntas na cama, elas aquecem uma a outra,” e o carregou para a cama, cobriu o cadáver, e se deitou ao lado dele. Depois de algum tempo o cadáver começou a se aquecer também, e começou a se mexer. Então, o jovem disse:

— “Veja, priminho, viu como eu te aqueci?” O defunto, todavia, se levantou e gritou:

— “Agora eu vou te estrangular.”

— “O quê!” disse ele, “é assim que você me agradece? Entre imediatamente no teu caixão agora mesmo,” e ele pegou o cadáver, o colocou dentro do caixão, e fechou a tampa. Então, apareceram seis homens e o levaram embora novamente.

— “Eu não consigo saber o que é ter medo,” disse ele, “acho que nunca vou saber o que é isso enquanto viver.”

Então, um homem que era mais alto que os outros entrou, e tinha um aspecto assustador. Ele era velho, e todavia, tinha uma barba longa e branca.

— “Seu desgraçado,” gritou ele, “agora você vai saber o que é ter medo, porque você irá morrer.”

— “Vai devagar,” respondeu o jovem.

— “Se eu tenho de morrer, eu tenho que me preparar para isso.”

— “Eu vou te pegar,” disse o fantasma.

— “Calma, calma, não queira aparecer. Eu sou tão forte quanto você, e talvez até mais forte.”

— “Veremos,” disse o velho. “se você é mais forte, te deixo ir — venha, vamos fazer um teste.” Então, o velho o levou por corredores escuros até a fornalha de um ferreiro, pegou um machado, e num só golpe enterrou a bigorna no chão.

— “Posso fazer melhor ainda,” disse o jovem, e foi até a outra bigorna. O velho ficou perto e queria ver, e sua barba longa e branca ficava pendurada.

Então, o jovem pegou o machado, partiu em dois a bigorna e ao mesmo tempo cortou a barba do velho.

— “Agora eu te peguei,” disse o jovem. “Agora é você que tem de morrer.” Então, ele pegou uma barra de ferro e golpeou o velho até ele gemer e pedir pra parar, prometendo muitas riquezas para o jovem. Este puxou o machado e o soltou. O velho o levou de volta para o castelo, e numa sala haviam três caixas cheias de ouro.

— “Destas,” disse ele, “uma parte é para os pobres, a outra é para o rei, e a terceira é para ti.”

E nesse instante bateu meia noite, e o espírito desapareceu, e o jovem ficou na escuridão.

— “Eu ainda saberei encontrar a minha saída,” disse ele, e tateando, ele encontrou o caminho até a sala, e lá dormiu perto do fogo. Na manhã seguinte o rei apareceu e disse:

— “Agora deve ter aprendido o que é ter medo?”

— “Não,” respondeu ele, “o que será isso? Meu primo que morreu apareceu aqui, e um homem barbudo veio e me mostrou um monte de dinheiro lá embaixo, mas nenhum deles me disse o que é ter medo.”

— “Então,” disse o rei, “você libertou o castelo, e deverá se casar com a minha filha.”

— “Tudo está certo,” disse ele, “mas eu ainda não sei o que é ter medo!”

Então, o ouro foi trazido e o casamento foi celebrado, mas o jovem rei, por mais que ele amasse a sua esposa, e por mais feliz que se sentisse, ele ainda dizia sempre:

— “Ah, se eu conseguisse ter medo — Ah, se eu conseguisse ter medo.” Até que a sua esposa começou a ficar irritada com isso. A dama de companhia dela disse:

— “Eu tenho uma solução para isso, ele logo vai saber o que é ter medo.” Ela foi até o riacho que passava pelo jardim, e mandou que um balde cheio de peixes gobiões fosse trazido até ela.

A noite quando o jovem rei estivesse dormindo, sua esposa devia tirar as roupas dele e esvaziar o balde de água fria com os gobiões em cima dele, de modo que os peixinhos ficando pulando em torno dele. Quando ela fez isto, ele acordou e gritou:

— “Oh, o que me faz sentir tanto medo assim? — o que me faz sentir tanto medo assim, minha querida esposa? Ah, agora eu sei o que é ter medo!”